A importância de se levar à sério as instituições: apontamentos sobre o estudo da história do ensino da Sociologia

Abstract

O ensino universitário envolve uma série de práticas fundamentais na construção de qualquer disciplina acadêmica. Diversos analistas, preocupados com a história das ciências, têm sublinhado o papel determinante das instituições de formação na definição das fronteiras dos saberes – sempre arbitrárias e artificiais, inclusive no mundo das ciências naturais. Também os especialistas focados no estudo das profissões aplicadas, aquelas ocupações qualificadas que trabalham além do meio acadêmico, têm reconhecido a importância dos sistemas de ensino na configuração da divisão do trabalho e da consolidação das “jurisdições profissionais”. Mesmo com diferenças substantivas, os clássicos deste campo viram na organização de estudos no ambiente universitário um elemento chave para a reprodução destes grupos e a consolidação das identidades profissionais. Nos estudos da história da Sociologia não foi diferente e, de uma ou outra maneira, eles também deram destaque às atividades de ensino, especialmente aos espaços de formação formais. Afinal de contas, a consolidação do ensino universitário é parte fundamental da institucionalização da Sociologia. Esse processo não só possibilita a socialização de novas gerações, pavimentando a transmissão de ideias e tradições intelectuais, mas também oferece vagas remuneradas que facilitam a reprodução material dos praticantes da disciplina e o cultivo “profissional” do seu campo de estudo. A história do ensino é, pois, um capítulo fundamental do que a sociologia chega a ser em um determinado contexto nacional. Produto de uma pesquisa sócio-histórica sobre a construção da Sociologia como disciplina acadêmica e profissional na Argentina, este texto tem como objetivo propor reflexões acerca de um aspecto específico desta história: o papel do ensino da Sociologia (e os desafios que surgiram ao tentar estudá-lo). Como este estudo foi inspirado (ainda que não só) em uma perspectiva analítica atenta à dinâmica institucional (Fleck et al., 2018; Turner & Turner, 1990), este capítulo buscará problematizar dois riscos (ou “empregos incorretos”) que o uso desta perspectiva pode supor. Contra esses riscos – que aqui chamaremos de “teleologismo” e “formalismo” –, procurarei destacar a importância de se levar à sério as instituições, avançando em uma descrição profunda da sua “vida interior”. Isto é, uma descrição atenta às suas especificidades, mas também aos seus modos de governança, às oportunidades e recursos que oferecem, e aos constrangimentos que colocam, assim como à influência das audiências (no caso das instituições de ensino, especialmente às demandas dos estudantes) (Collyer, 2022; Fleck & Dayé, 2015). Nesse contexto, destaco a relevância do exercício de tradução, ou seja, a operação de apresentar um caso nacional para um leitor estrangeiro. Argumento que esse exercício pode ser concebido como um “truque do ofício” destinado a desnaturalizar dimensões que, a despeito da sua relevância, podem passar inadvertidas.